No dia 10 de maio de 1933, montanhas de livros foram queimadas nas praças de diversas cidades da Alemanha. O regime nazista queria fazer uma limpeza da literatura e de todos os escritos que desviassem dos padrões impostos. Centenas de milhares queimaram até as cinzas.
Einstein, Mann, Freud, entre outros, foram perseguidos por ousarem pensar diferente da maioria. A Alemanha “purificou pelo fogo” as idéias imundas deles, da mesma forma que, durante a Idade Média, a Santa Inquisição purificou com fogo a carne, o sangue e os ossos daqueles que ousaram não concordar com suas idéias. A opinião pública e parte dos intelectuais alemães se acovardaram ou acharam pertinente o fogaréu nazista, levado a cabo por estudantes que apoiavam o regime. Deu no que deu.
Hoje, colegas da imprensa me contam histórias de representantes de igrejas e templos do interior pedindo a seus fiéis que destruam livros que tratem de direitos humanos. Que se livrem de tudo o que não tenha a ver uma visão violenta que eles têm do amor divino. Demorou, mas veio. O pessoal da Idade Média saiu do armário.
Será que, no afã de contestar propostas presentes no III Programa Nacional de Direitos Humanos, parte da imprensa conseguiu finalmente cristalizar a imagem idiota que “direitos humanos” é coisa de defender bandido, matar crianças inocentes e proibir as pessoas de terem fé?
Direitos humanos diz respeito exatamente ao contrário. Considerando que todas as pessoas são iguais em direitos, por todas compartilharem da raça humana, elas merecem ser tratadas com dignidade e respeito. Se pegarem todos os Programas Nacionais dos Direitos Humanos, de FHC a Lula, verão que eles tratam de liberdade religiosa e de associação, do direito à saude, à educação, à cultura, a ter uma identidade, a andar livremente, de falar e defender posições sem ser agredido, de não ter medo de passar fome ou de viver na miséria, de poder participar do processo político, de eleger e ser eleito, do direito a não ser expulso de sua casa, do direito à segurança, à integridade do seu corpo, a um julgamento justo, de não ser tratado como animal. De encontrar no outro um semelhante e tratá-lo como tal.
Não importa em quem você vote, não importa quem você queira no poder. Mas não deixe os mesmos ventos que sopraram em 1933 se espalharem pelo Brasil do início do século 21. Estratégias eleitorais acordaram um monstro - algumas pessoas das próprias campanhas já perceberam a besteira que fizeram, mas a espiral já gira por si e só uma ação combinada dos dois lados fará ela parar. Esse monstro, a Intolerância, continua sendo alimentado a cada dia, pelo ódio, pelo irracional. Argumentos já não fazem efeito. O problema é que ele não vai parar no dia 31 de outubro, e quando ele tiver devorado o pouco de dignidade que conseguimos garantir às minorias, virá atrás das míseras liberdades individuais que não correspondam à fé de alguns. Nós, como jornalistas, temos um dever de evitar alimentá-lo sob o risco de sermos, ao final, cúmplices de tudo isso.
Estamos vivendo algo que não tem cara de eleições e sim de Contra-Reforma, agora com a participação dos Protestantes e dos grupos Católicos que foram perseguidos e torturados séculos atrás. Quem diria.
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